
Ao ler o trecho abaixo do livro Os Bruzundangas, de Lima Barreto, não pude deixar de pensar no Brasil que foi e no Brasil que é; percebi que o Brasil que é não mudou a sua face, a sua estrutura corrupta e parasitária.
"Não há lá homem influente que não tenha, pelo menos, trinta parentes ocupando cargos do Estado; não há lá político influente que não se julgue com direito a deixar para os seus filhos, netos, sobrinhos, primos, gordas pensões pagas pelo Tesouro da República.
No entanto, a terra vive na pobreza; os latifúndios abandonados e indivisos; a população rural, que é a base de todas as nações, oprimida por chefões políticos, inúteis, incapazes de dirigir a cousa mas fácil desta vida.
Vive sugada; esfomeada, maltrapilha, macilenta, amarela, para que, na sua capital, algumas centenas de parvos, com títulos altissonantes disso ou daquilo, gozem vencimentos, subsídios, duplicados e triplicados, afora rendimentos que vêm de outra e qualquer origem, empregando um grande palavreado de quem vai fazer milagres". ( Lima Barreto, Os Bruzundangas, p. 31)
Lima Barreto viveu em um período singular da história do Brasil - durante a nossa Primeira República, também conhecida como República Velha, um período viciado e atrasado economicamente da história nativa. Era o período dos grandes latifúndios. A burguesia, com dois cavalos, alguns militares e um grito, derrubara um Império e instituira a República. Isso era o ano de 1889. A elites agrárias, dona dos grandes latifúndios, como os barões do café, já estavam instalados nas metrópoles regionais. Deixamos a casa-grande para trás, mas a tradição oligárquica de concetração da terra e do poder político permaneceu entre nós.

A evolução do capitalismo no Brasil é o de uma modernização sem ruptura, como diria Lênin. A nossa história não registra nenhuma revolução que engendrou uma interrupção na forma de domínio político, que se inseriu verdadeiramente no imaginário da coletividade nacional. Não temos uma tradição revolucionária. Somos um país de coiós, de atoleimados que espera o carnaval e a final do campeonato.
É justamente em um país como esse, descrito aqui que Lima Barreto viveu. Talvez a diferença do ontem para o hoje repouse no nível de urbanização e na mudança interna do modo de produção: saímos de capitalismo agrário e exportador para um capitalismo corporativista e monopolista a serviço do deus mercado.
Se formos elencar a importância política da prosa dos literatos tupiniquins, veremos que Lima Barreto, Graciliano Ramos e Machado de Assis, tenham realizado os discursos mais contudentes. Dos três, penso que Machado tenha sido aquele que se aburguesou. O mulato, gago e epiléptico fundou uma Academia para escritor conservador e reacionário. Vale mencionar que enquanto esteve vivo, Lima tentou ingressar por duas vezes na fatídica Academia e foi recusado. Bloqueram-lhe o acesso. Todavia, em sua história teve figuras dantescas como Getúlio Vargas e Roberto Marinho e até quixotescas, como por exemplo, os atuais José Sarney e Paulo Coelho.

O autor de O Triste fim de Policarpo Quaresma, sua tese pintada de maneira sarcástica contra o convencionalismo político e cultural, precisa ser lido para que conheçamos o Brasil "deitado em berço explêndido". O Brasil que é a antítese de si mesmo. O Brasil que não acredita no Brasil. O Brasil que se orgulha de patacas; dos sonhos adormecidos; dos rompentes de dois palmos. O Brasil que sonha em ser uma potência cosmopolitista. O Brasil das utopias estranhas e infantis. O Brasil que se vê, identifica-se, que se resigna com as novelas globais.
A nossa superestrutura (política, cultural, econômica) é pintada com as cores daquilo que foi, mas que ainda insiste em permanecer. O país dos bruzundangas não conhece a sua história e ostenta sonhos não velados.
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